LEI Nº 17.912, DE 18 DE AGOSTO DE 2022.
Institui a
Política Estadual de Alternativas Penais de Pernambuco, com enfoque
restaurativo, em substituição à privação de liberdade.
O
GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO:
Faço
saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei institui a Política
Estadual de Alternativas Penais de Pernambuco e define as diretrizes a serem
adotadas em todo o Estado de Pernambuco.
CAPÍTULO II
DOS CONCEITOS E PRINCÍPIOS
Art. 2º Para fins desta Lei,
consideram-se alternativas penais as medidas judiciais diversas do
encarceramento como resposta a conflitos e violências, no âmbito da justiça
criminal, orientadas pela autonomia e auto responsabilização, com o fim de restaurar
as relações sociais e promover a cultura da paz, decorrentes da aplicação de:
I - medidas cautelares diversas da
prisão, previstas nos incisos I a VIII do art. 319 do Código de Processo Penal;
II - transação penal;
III - suspensão condicional do processo;
IV - suspensão condicional da pena
privativa de liberdade;
V - penas restritivas de direitos;
VI - práticas de justiça restaurativa;
VII - medidas protetivas de urgência
destinadas ao homem autuado nos casos de violência doméstica e familiar,
previstas na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (“Lei Maria da
Penha”);
VIII - acordo de não persecução penal.
Parágrafo único. Não constitui, para os
fins desta Lei, alternativa penal a medida de monitoração eletrônica, prevista
no inciso IX do art. 319 do Código de Processo Penal e nos arts. 146-B e
seguintes da Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (“Lei de Execução
Penal”).
Art. 3º São princípios da Política
Estadual de Alternativas Penais de Pernambuco:
I - a redução da taxa de encarceramento
mediante o emprego restrito da privação de liberdade, na forma da lei;
II - a presunção de inocência, a
valorização da liberdade e a proporcionalidade e a idoneidade das medidas
penais;
III - a dignidade, a autonomia e a
liberdade das partes envolvidas nos conflitos;
IV - a responsabilização da pessoa
submetida à alternativa penal e a manutenção do seu vínculo com a comunidade;
V - a subsidiariedade da intervenção
penal com adoção de mecanismos horizontalizados e autocompositivos, a partir de
soluções participativas e ajustadas às realidades das partes;
VI - a restauração das relações sociais,
a reparação dos danos e a promoção da cultura da paz;
VII - a proteção social das pessoas em
cumprimento de alternativas penais e sua inclusão em serviços e políticas
públicas;
VIII - o respeito à equidade, a atenção
às diversidades e o enfrentamento às discriminações de raça, faixa etária, gênero,
orientação sexual, deficiência, origem étnica, social e regional;
IX - a articulação entre os órgãos
responsáveis pela execução, aplicação e acompanhamento das alternativas penais.
CAPÍTULO III
DA ESTRUTURA E DAS ATRIBUIÇÕES
Art. 4º A Política Estadual de
Alternativas Penais de Pernambuco será desenvolvida a partir da ação integrada
entre as instituições que compõem o sistema penal em todas as suas fases.
Parágrafo único. Poderá ser firmado Acordo
de Cooperação Técnica entre as instituições que integram o Sistema de Justiça,
as organizações da sociedade civil e o Poder Executivo, com o objetivo de conferir
maior efetividade e amplitude à execução da política de alternativas penais no
Estado.
Art. 5º A gestão da Política Estadual de
Alternativas Penais de Pernambuco será executada pela Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos, responsável pela gestão das políticas penais, e
especificamente pela Gerência de Penas Alternativas e Integração Social -
GEPAIS, que terá competência para:
I - coordenar a execução da política de
alternativas penais;
II - implantar, após estudo de
viabilidade técnica e financeira, as Centrais de Apoio as Medidas e Penas
Alternativas - CEAPAs, com equipes multiprofissionais qualificadas conforme as
demandas regionais;
III - executar, por meio das Centrais de
Apoio as Medidas e Penas Alternativas - CEAPAs, as ações necessárias ao
atendimento e acompanhamento das pessoas em cumprimento de alternativas penais,
dando suporte técnico para o devido cumprimento das medidas aplicadas, a partir
de fluxo previamente definido com o sistema de justiça;
IV - estimular a captação de recursos
para garantir a sustentabilidade, expansão e aprimoramento da política de
alternativas penais;
V - integrar o grupo gestor ou outra
instância de governança colegiada sobre as alternativas penais, visando à
interlocução e ao alinhamento estratégico com os órgãos do sistema de justiça
criminal e organizações da sociedade civil, a fim de fortalecer a implementação
da política de alternativas penais.
Art. 6º A Central de Apoio às Medidas e
Penas Alternativas - CEAPA é um equipamento público, constituído por equipe
multidisciplinar, de nível local ou regional, com finalidade de acompanhar o
cumprimento das alternativas penais previstas no art. 2º desta Lei, com
atribuição de:
I - atuar na porta de entrada da justiça
criminal por meio do Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada junto à
audiência de custódia, com atendimento social prévio e posterior à audiência;
II - acompanhar o cumprimento das
modalidades de alternativas penais estabelecidas durante a fase de conhecimento
do processo penal, durante a execução penal;
III - acolher, acompanhar e orientar as
pessoas em alternativas penais por meio dos serviços psicossocial e jurídico,
além de garantir atendimentos e dinâmicas interdisciplinares e em grupo;
IV - incentivar a autonomia e o
protagonismo da pessoa em alternativa penal, a restauração de vínculos
familiares, sociais e comunitários, o entendimento e a ressignificação dos
processos de criminalização, dos conflitos e das violências vivenciadas, e a
busca por reversão das vulnerabilidades sociais;
V - garantir o respeito às diversidades
raciais, étnicas, de gênero, sexualidade, geracionais, de origem e
nacionalidade, renda e classe social, de religião, crença, entre outras;
VI - acompanhar o cumprimento da
alternativa penal imposta por meio do contato direto com a pessoa em
cumprimento e com as entidades parceiras, garantindo-se o suporte necessário;
VII - desenvolver metodologias como
grupos reflexivos e práticas restaurativas, visando maior efetividade quanto à
responsabilização e à restauratividade;
VIII - fomentar projetos para homens
autores de violências contra as mulheres, em parceria com os órgãos do sistema
de justiça criminal, instituições da rede de proteção das mulheres e
instituições especialistas em gênero, a fim de acompanhar as medidas protetivas
de urgência, previstas na Lei Federal nº 11.340, de 2006;
IX - garantir o direito à informação às
pessoas em cumprimento de uma alternativa penal, quanto à situação processual,
aos serviços e assistências oferecidos, e às condições de cumprimento da
alternativa imposta;
X - instituir fluxos, metodologias
especializadas e dinâmicas de trabalho interinstitucionais com a rede de
proteção social local, observando as habilidades, aptidões, local de moradia e
horários disponíveis da pessoa submetida às alternativas penais;
XI - facilitar encaminhamentos relativos
à atenção à saúde, inclusive saúde mental, de cunho não obrigatório;
XII - constituir e participar de redes
de proteção social para a garantia de direitos das pessoas nos campos da assistência
social, assistência jurídica, atenção à saúde, atendimento para uso abusivo de
álcool e outras drogas, atenção à saúde mental, educação, trabalho, renda e
qualificação profissional;
XIII - construir fluxos e procedimentos
com as varas criminais, varas de execução penal, varas especializadas em
alternativas penais e varas ou núcleos competentes para realização da audiência
de custódia, quanto às alternativas penais atendidas pela CEAPA e as dinâmicas
de trabalho, de forma a não sobrepor atividades com o Poder Judiciário;
XIV - promover capacitações, palestras,
seminários e cursos sobre alternativas penais, a fim de disseminá-las junto à
sociedade, órgãos governamentais e da sociedade civil;
XV - realizar o tratamento dos dados
pessoais do público atendido, observado o sigilo sobre de dados sensíveis, para
coleta, sistematização e desagregação de dados relativos à:
a) pessoa, considerando as variáveis
sobre raça, gênero, idade, ocupação, educação, endereço e status migratório;
b) medida, incluindo os tipos penais,
quantidade, descumprimento, atividades desenvolvidas, metodologias como grupos
reflexivos e práticas restaurativas, dentre outras.
XVI - disponibilizar regularmente, em
sítio da internet, dados anonimizados e desagregados relativos ao público
atendido, a fim de facilitar o monitoramento e avaliação dos serviços e seu
aperfeiçoamento.
§ 1º A equipe multidisciplinar da
Central de Apoio às Medidas e Penas Alternativas - CEAPA será composta por, no
mínimo, profissionais das áreas de serviço social, psicologia e direito, em
número proporcional à quantidade de pessoas acompanhadas, com especialidade e
afinidade para o trabalho, periodicamente capacitados por meio de formação
continuada.
§ 2º O tratamento de dados pessoais pela
Central de Apoio às Medidas e Penas Alternativas - CEAPA respeitará os
princípios elencados no art. 8º da Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de
2018 (“Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”), especialmente os princípios
da privacidade, finalidade, adequação, necessidade e não discriminação.
Art. 7º A Central de Apoio às Medidas e
Penas Alternativas - CEAPA será, preferencialmente, instituída em núcleo ou
polo no local em que se realizam as audiências de custódia, onde atuará o
Serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada.
Art. 8º Poderão ser criadas, por ato
normativo próprio, Centrais de Apoio as Medidas e Penas Alternativas - CEAPAs
para atuação localizada em:
I - bairros ou zonas urbanas, podendo
considerar a divisão territorial de unidades judiciárias locais, como os
juizados especiais criminais;
II - comarcas do interior do Estado,
levando em conta a demanda de pessoas em cumprimento de alternativas penais,
promovendo a interiorização da política de alternativas penais e incentivando a
gestão pelas prefeituras municipais;
III - agrupamento de comarcas do
interior do Estado ou mesorregiões, referenciado no fracionamento territorial
estabelecido pelas normas de organização judiciária.
Art. 9º Serão proporcionados à Central
de Apoio às Medidas e Penas Alternativas - CEAPA os insumos, meios e recursos
humanos para a implementação de metodologias qualificadas e específicas para o
atendimento e acompanhamento de todas as modalidades de alternativas penais, a
partir de prévio alinhamento com o sistema de justiça.
Art. 10. O atendimento e o
acompanhamento do cumprimento das alternativas penais observarão as
metodologias propostas pela Gerência de Penas Alternativas e Integração Social -
GEPAIS, que poderá adotar as normas operacionais definidas pelo Conselho
Nacional de Justiça.
Art. 11. A Política Estadual de
Alternativas Penais de Pernambuco será incluída na legislação orçamentária do
Estado com recursos específicos destinados à sua implementação.
Parágrafo único. A Política Estadual de
Alternativas Penais de Pernambuco poderá ainda ser financiada por outros
recursos federais e/ou internacionais através da celebração de convênios,
fundos, editais, premiações ou outros meios para garantir a sustentabilidade,
expansão e aprimoramento da política de alternativas penais na capital e nos
municípios, garantindo a interiorização dos serviços.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 12. O Poder Executivo poderá
constituir Conselho Gestor, ou outra instância interinstitucional de caráter
consultivo para acompanhamento da Política Estadual de Alternativas Penais, do
qual poderão participar, como convidados, órgãos do Poder Judiciário, do
Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil -
Seccional Pernambuco (OAB-PE) e de representantes da sociedade civil, tendo
atribuição para:
I - sensibilizar a sociedade e o sistema
de justiça criminal sobre a necessidade de aplicação das alternativas penais,
como forma de se diminuir o encarceramento;
II - acompanhar a implantação dos
serviços especializados no atendimento e acompanhamento de pessoas desde a
porta de entrada na audiência de custódia até a fase de execução das
alternativas penais;
III - fomentar a qualificação da rede de
serviços para atendimento e acompanhamento das pessoas em cumprimento de
alternativas penais, bem como para garantir o acesso a direitos;
IV - fomentar a transparência, o
controle e a participação social na política de alternativas penais;
V - promover o enfoque restaurativo nas
práticas de alternativas penais;
VI - acompanhar a gestão da informação,
a produção de dados e o aprimoramento de uma política baseada em evidências.
Art. 13. As despesas decorrentes da execução
desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, observando-se
as restrições previstas na Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de
2000 (“Lei de Responsabilidade Fiscal”).
Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data
de sua publicação.
Palácio do Campo das Princesas, Recife,
18 de agosto do ano de 2022, 206º da Revolução Republicana Constitucionalista e
200º da Independência do Brasil.
PAULO HENRIQUE SARAIVA CÂMARA
Governador do Estado
CLOVES EDUARDO BENEVIDES
JOSÉ FRANCISCO DE MELO CAVALCANTI NETO
ERNANI VARJAL MEDICIS PINTO